
Sou professora, lecionei por muitos anos em duas escolas, mas depois passei a me dedicar apenas às aulas particulares, ganho melhor e sobra tempo para me dedicar à minha verdadeira vocação, que são as artes plásticas. Gosto muito de pintar, montei um pequeno ateliê dentro do meu apartamento, ali eu me tranco e é onde eu consigo me encontrar. Vivo cercada de pessoas, mas nunca somos nós mesmos na presença de testemunhas.
Às vezes me sinto uma mulher mascarada, como se desempenhasse um papel em sociedade só para se sentir integrada, fazendo parte do mundo. Outras vezes acho que não é nada disso, hospedo em mim uma natureza constestadora e aonde quer que eu vá ela está comigo, só que sou bem-educada e não compro briga à toa. Enfim, parece tudo muito normal, mas há uma voz interna que anda me dizendo: "Você não perde por esperar, Mercedes." É como se eu tivesse, além de uma consciência oficial, também uma consciência paralela, e ela soubesse que não vou segurar minhas ambigüidades por muito tempo.
Tenho um cérebro masculino, como lhe disse, mas isso não interfere na minha sexualidade, que é bem ortodoxa. Já o coração sempre foi gelatinoso, me deixa com as pernas frouxas diante de qualquer um que me convide para um chope. Faz eu dizer tudo ao contrário do que penso: nessa horas não sei aonde vão parar minhas idéias viris. Afino a voz, uso cinta-liga, faço strip-tease. Basta me segurar pela nuca e eu derreto, viro pão com manteiga, sirva-se.
Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela comoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada. Acho que sou promíscua, doutor Lopes. São muitas mulheres numa só, e alguns homens também. Prepare-se para uma terapia de grupo.
Martha Medeiros
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